Procurando na Internet textos de um amigo português,já falecido,encontrei uma correspondência minha,que embora particular foi publicada nos comentários de um artigo seu sobre a língua portuguesa e acredito ser interessante compartilhar com os leitores do Blog,pois reza sobre uma tentativa absurda de se mudar a denominação Língua Portuguesa para Língua Brasileira,um despautério que se encaixaria perfeitamente na era de incentivo à ignorância em que ora vivemos neste pobre Brasil petista.
A Língua Portuguesa é um patrimônio mundial,não é propriedade dos portugueses e tampouco brinquedo para os brasileiros...Leiam:
Caro amigo Carlos Mário:
Só agora estou lendo seu artigo sobre a língua que se fala na Lusofonia. Eu acredito que a que hoje se fala realmente e infelizmente é a do desconhecimento da grandeza histórica de um veículo que ultrapassou os limites de uma necessidade do colonizado para se comunicar não só com o colonizador mas com seus vizinhos tribais e chegou ao nível de uma quase religião,uma confraria em remotos lugares de todo o mundo. Sobreviveu aos nacionalistas exacerbados,à xenofobia sempre presente no terceiro mundo e continuou mantendo até mesmo o nome Língua Portuguesa, o que parece elementar mas não o é, e sim um tributo ao colonizador que no fundo, expurgadas as ideias impostas pelos libertadores, deixou um legado de convivência mais humana que o de ingleses,belgas ou franceses. Mesmo porque no grande reduto desta língua no mundo, Brasil, se cogitou, por força de lei e de pesquisas de filólogos, a mudança para Língua Brasileira! Na constituição de 1946, o artigo 35 das disposições transitórias rezava que o governo deveria nomear uma comissão de professores, escritores e jornalistas para opinar sobre a denominação do idioma nacional... Felizmente eram homens probos e o relatório assim termina: ...o idioma nacional do Brasil continua a ser: Língua Portuguesa. Essa denominação, além de corresponder à verdade dos fatos, tem a vantagem de lembrar, em duas palavras - Língua Portuguesa - ,a história da nossa origem e a base fundamental da nossa formação de povo civilizado. Rio de Janeiro, 15 de outubro de 1946. Já em sua Gramática da linguagem portuguesa (1536),Fernão de Oliveira salientava a necessidade de se cultivar com mais apuro a língua nacional do que línguas estrangeiras: - milhor he que ensinemos a Guiné ca que sejamos ensinados de Roma... E não desconfiemos da nossa lingua porque os homens fazem a lingua e não a lingua os homens. E criticava o desamor dos portugueses à sua língua... Uma língua que já é não só mãe mas avó, como no caso da falada e mantida religiosamente na Nigéria, com regionalismos e sotaque brasileiro. A língua itsekiri é recheada de palavras portuguesas, ali deixadas há quatrocentos anos pelos lusos e depois reforçadas e vitalizadas pelo retorno de escravos e sacerdotes brasileiros, no final do século XVIII e princípios do XIX. O Brazilian Quarter, em Lagos tem sua associação de descendentes brasileiros que se comunicam em português, um status diferencial. E na Ásia onde em ilhas esquecidas, enclaves de língua portuguesa sobrevivem mais puras que em Portugal, indelevelmente ligadas ao catolicismo e muitas vezes mantidas com o custo alto das sangrentas perseguições religiosas. Fernão de Oliveira estava certo ao criticar o desamor dos lusos à sua Língua, que hoje se mantém forte graças aos muitos herdeiros que a têm como bem precioso a ser conservado, contra uma metrópole cujo povo desconhece sua grandeza histórica no mundo.
Ao procurar o tal artigo, passei a ler a transcrição dos anais da Assembleia Constituinte de 1946 e eis que, afinal, os xenófobos de plantão tinham um apoio de peso na obra, extensa, de um grande filólogo que afirmava que não falávamos o Português no Brasil, assim como na Guiné, etc, etc... Obra inclusive traduzida para o francês, ajudando a diminuir a importância da língua lusa na visão estrangeira. Não conhecia o famoso escritor, poliglota e filólogo e fui pesquisar, só encontrando referências em um dicionário antigo:o tal gajo é português! Lembrei de imediato daquele texto que lhe enviei, se não me engano o título era Lusitanos, onde citava que geralmente quem derrotava os portugueses eram eles próprios (a traição que vitimou Viriato,o 25 de Abril, etc).
Aniceto Reis Gonçalves Viana, (1840-1914) é o tal famoso filólogo, cujas obras inclusive serviram, devido sua respeitada opinião em Portugal, de base para os primeiros acordos ortográficos celebrados entre a Academia Brasileira de Letras e a das Ciências de Lisboa... Foi ele que lutou para que a Língua Portuguesa permanecesse pequena. Oras o gajo...
Um abraço. Pedro Marangoni