terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Ricardo III:um rei esquecido no estacionamento




O último rei da Casa de York, estacionado na má fama há mais de meio milênio, pode começar a rodar finalmente em bom caminho. Seus resto mortais encontrados no subsolo de um estacionamento em Leicester foram confirmados por testes de DNA. Clique. Shakespeare exagerou em suas criações livres -naqueles tempos não era costume pedir indenizações por dano moral- e a Casa de Tudor, os sucessores, pegaram carona na “mídia sensacionalista” -tradição britânica- do grande escritor. Mas A tragédia de Ricardo III * é magnífica e o vilão Gloster acaba nos seduzindo pela firmeza de sua falta de caráter! Com deformação física, não tão patente como descrita por Shakespeare, mas confirmada num exame mesmo superficial do esqueleto, destila na obra literária seu veneno de forma clara, sincera:
 
-Se não posso tornar-me o amante que divirta os dias eloquentes e alegres, determino conduzir-me qual biltre rematado e odiar os vãos prazeres de nossa época.
Machista:
-Sim, eis o que acontece quando os homens se deixam governar pelas mulheres.
Brilhante e sarcástico ao dialogar com a viúva do homem que ele mesmo matara e que no próprio velório a pede em casamento:
-Está melhor no céu que na terra.
Lady Ana(viúva do Príncipe de Gales)-E tnão tens melhor lugar que no inferno.
Gloster-Não; há outro: quereis que vo-lo diga?
Ana- a prisão, certamente.
Gloster- Vossa alcova.
Ana- Seja o sono banido do teu quarto!
Gloster- Sê-lo-á, enquanto não dormirmos juntos.
Cientista político realista capaz de consolar os brasileiros cinco séculos depois, que hoje vivem  A Tragédia da Era Petista:
-o mundo piorou tanto, que a carriça se atreve onde a própria águia mal ousa debicar. Desde que todos os joãos-ninguém ficaram gentís-homens, virou muito fidalgo um joão-ninguém.
-dá muita pena ver engaioladas as águias e com plena liberdade para prear os butios e os milhanos.
Audaz:
-Joguei a vida num só lanço, escravo; aceito o que me der o azar dos dados.
Guerreiro:
-Seja nossa consciência o braço forte; nossa lei, as espadas. Eia, avante! Juntos conquistaremos nome eterno, ou baixaremos juntos para o inferno.
 
Shakespeare o tornou popularmente famoso pela frase dou meu reino por um cavalo! proferida durante a Batalha de Bosworth Field,em 1485,onde morreu em combate. Descreve: O rei realiza coisas sobre-humanas sem temor enfrentando os inimigos. Mataram-lhe o cavalo; à pé combate. Cinco séculos depois seus ossos parecem confirmar que batia-se à pé; além de uma seta no corpo, um grande ferimento mortal provavelmente de espada abriu seu crânio.
 
Foi um curto reinado, apenas dois anos e a história real não pode ser confundida com a peça teatral; muito de seus atos mostravam um rei liberal incluindo a introdução do direito à fiança e a retirada de restrições sobre livros e máquinas de impressão. Um fato é certo, foi um homem valente, guerreiro e neste sentido o real e a lenda podem se misturar, um criou a outra e certamente os feitos que lhes são atribuídos em combate, se não os fez na totalidade, trazia dentro de si a coragem para os realizar. Daria sem dúvida seu reino por um cavalo, uma espada, uma lança...





*Cito a edição de Obras Completas, Edições Melhoramentos, tradução de Carlos Alberto Nunes.