quinta-feira, 8 de março de 2012

Cóbue,Niassa:os túmulos de Eleonora e Charlotte

Cóbue,vila moçambicana às margens do Lago Niassa,em contato visual com Malawi e próxima à fronteira da Tanzânia me traz boas lembranças, é o local de meu batismo de fogo em 02 de Agosto de 1974, combate rápido mas emocionante, dois homens contra um grupo oito vezes maior, (estimado pela informação militar da área, 2 grupos de 8 terroristas), boa proporção... Mantivemos a posição. O ideal é sempre mais forte que ideologias estranhas seguidas automaticamente sem maior profundidade...

Quartel de Cóbue

Mas este fato (facto para os patrícios) já é conhecido,estava aqui a recordar alguns mistérios que sempre me atraem, perdidos no tempo em que se encontram. E fui ao Google Earth dar uma olhada na região e tive mais surpresas. O grande aquartelamento onde me alojava, que antes de ser ocupado por mim o fora pelos fuzileiros especiais e antes destes pelos missionários,está claramente abandonado, com as telhas e madeiramento saqueados para a construção das palhoças africanas e a bela igreja, incendiada pelos terroristas durante a guerra, assim permanece, somente as fortes paredes em pé.

O grande edifício, como Missão religiosa e depois como quartel

Na foto de satélite, refiz visualmente o caminho de décadas atrás, quando sozinho, único branco num raio de dezenas de quilômetros em território hostil, sai do quartel, passei pela igreja semi destruída e fui descendo em curva para um pequeno grupo de árvores,coladas ao barranco, lugar escuro, sombreado e agradável, isolado. Penetrei na vegetação em busca de vestígios de observadores inimigos e também de granadas e munições desviadas por milícias para caçar e pescar. Mas encontrei dois túmulos!

Cóbue, hoje

Não eram simples covas africanas,nem mesmo de militares. Eram construções antigas, de tijolos, bem feitos, encimados por cruzes de madeira entalhada com os nomes e a data. A data. Pois embora fossem dois, a data era a mesma. Minha imaginação viajou, buscando a causa, descartando alguma doença. Acidente ou assassinato. Nomes europeus e femininos! E a data aumentou o mistério e minha curiosidade,pois eram de 1936! 36-Aug-29... Provavelmente europeias, vinda da antiga Niassalandia, depois Malawi. Eleonora Mirian Lizzi e Charlotte T.Elza. Seriam missionárias? Mas em 1936 mesmo homens brancos pouco se aventuravam por ali, a fundação da missão data de 1950!

Procurei informações a respeito sem nenhum resultado na época e em dias atuais com a facilidade dos meios eletrônicos, mas o mistério permanece. Pela foto do satélite, aparentemente, mesmo com a grande expansão desordenada do vilarejo o local dos túmulos foi poupado, vejam que existe uma pequena concentração de vegetação no local que me parece ser o dos dois túmulos. Quem sabe que com este artigo, surja finalmente algo a respeito dessas duas mulheres que involuntariamente passaram a fazer parte de um período importante de minha vida e que independente de qualquer informação complementar, certamente foram pessoas acima do comum pela simples constatação de seu local de repouso final.

Já se passaram 38 anos, (e 76 do sepultamento!) não sei se as cruzes ainda lá permanecem. Mas se o tempo já as consumiu,quem por lá passar poderá reconstruí-las. Eleonora à esquerda, Charlotte à direita. Nós três ficaremos gratos...




Atualização - De um historiador suíço, A.Z. recebi uma contribuição interessante a respeito:

"...é muito provável, que são túmulos da Missão Anglicana. Esta Missão chegou na região antes dos Portugueses. A partir dos anos 1880 a Missão tinha muitas escolas em muitos lugares no futuro lado português do lago. Também a Missão tinha navios, que regularmente paravam nas aldeias. Nos anos 1930 a Missão foi obrigada a fechar muitas destas escolas sob a pressão do governo português."

Após a saída forçada,continuaram em muitas missões nos países vizinhos,incluindo uma na vizinha ilha de Likoma, pertencente ao atual Malawi, que se pode avistar desde Cóbue. Teriam sidos os corpos recolhidos de um naufrágio? O lago Niassa muitas vezes se comporta como um mar, com ondas e tempestades violentas. Talvez na história dos Anglicanos esteja a resposta ao mistério...