segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

A Kombi velha enquanto personagem da perversidade social

Gostaram do título? Parece coisa de acadêmico de esquerda... Teorias são perfeitas até quando rezam sobre imperfeição,que assim deve ser,sem nada de correto ou aproveitável. Mas viver não é assim com os pontos e vírgulas bem colocadas. Temos os teóricos e temos a manada que citei no texto anterior,que luta,briga por seus direitos mas não pelo pão de cada dia. Preferem esperar que as teorias impraticáveis sejam aplicadas para seu proveito.

Mas nas entrelinhas da sociedade,invisíveis às estatísticas e infelizmente visíveis à fiscalização,existem brasileiros que alheios às lutas de classes que alimentam os partidos políticos e por eles são insufladas,longe da nacionalidade que não vai além do futebol,dos documentos e da submissão aos regulamentos,acordam cada dia com o propósito sem lamentos de conseguir a sobrevivência com honestidade e perseverança. São carrocinhas de catadores de lixo na contramão,surdos aos insultos e às buzinas,são os cobertores estendidos no chão com algumas laranjas,bananas e mangas oferecidas por centavos,são as motos com a família inteira dependurada mais as enxadas,são as Kombis velhas com os para-choques amarrados com arame e vista panorâmica para o asfalto através do assoalho podre...

Uma sobrevivência com garra,cujo futuro se estende no máximo até à noite,na volta para a casa,barraco,acampamento. Sem documentos não são eleitores,portanto sem valia para qualquer investimento estatal. O dinheiro arrecadado aos aqui nascidos e do uso do solo e mar e que por direito deveria ser usado para ajudá-los -também eles são donos dos minerais,do petróleo- são esbanjados em benemerência duvidosa aos imigrantes ilegais,ao perdão da dívida de outros países pobres e irresponsáveis,aos churrascos de cabra e buchada de bode dos desvios dos perenes coronéis da política,à propaganda dos donos do poder,ou simplesmente enviados aos paraísos fiscais para garantir o futuro mais risonho ainda dos seus bacorinhos inúteis e das concubinas de luxo.

E aí,a TV,ponta de lança da cretinice nacional,grita logo pela manhã:
-Flagrante de irresponsabilidade na marginal Tietê!!! Vejam o absurdo! Nossa equipe flagrou essa Kombi com a passageira transportando a criança no banco da frente! (tomada aberta,Kombi velha do tipo toda fechada atrás,sem janelas,câmera vai aproximando,casal humilde saindo cedo para a luta,o dinheiro de ontem deu para colocar vinte reais de gasolina,criança grudada no colo da mãe).
-Olhem o perigo,esta criança deveria estar no banco de trás na cadeirinha para bebês!

...se eles conseguissem dinheiro para uma cadeirinha,dona repórter perfumadinha e com calcinha de grife,provavelmente o iriam empregar em algo mais urgente,como um litro de leite,um quilo de carne de terceira,mais um pouco de gasolina e talvez a sonhada troca de óleo do motor do instrumento de trabalho que há muito implora quase sem fôlego... Mesmo porque certamente banco de trás não existe na velha Kombi cheia de ferramentas,caixotes,latas,ferro velho catado aqui e ali...

A sexta economia do mundo é uma instituição de rapina,cruel,nem um pouco diferente de um abrigo de idosos subnutridos jogados em um sujo colchão no chão,cujos administradores roubam as aposentadorias através de procurações. E nós,enquanto sociedade(argh!),somos os parentes dos velhinhos que fecham os olhos com ar de dever cumprido. Nossa procuração entregue foi o voto.