sábado, 19 de maio de 2012

"O reino deste mundo"de Alejo Carpentier:o casamento entre a razão e o fantástico


Terminei de ler minutos atrás,a obra de Alejo Carpentier,”O Reino deste mundo”. Razões ideológicas ranhetas de minha parte haviam deixado desprezado na estante este magnífico livro por anos. Carpentier,filho de europeus nascido em Cuba abraçou com ardor a revolução cubana e seu padrinho Fidel. Vá lá,mas não se pode negar o seu talento e principalmente o que Otto Maria Carpeux afirma na apresentação do livro:nunca houve o rebaixamento de sua arte para o nível de panfleto. Esse revolucionário autêntico também é um grande artista.

O desprezo por obras de escritores comprometidos ideologicamente,principalmente na ditadura Castrista,castrense &castradora me havia afastado do sabor forte,intenso que só a região caribenha tem e que foi literalmente copiada e colada por Alejo em suas páginas e talvez só ele,geneticamente europeu mas brotado,regado e se desenvolvido em Cuba poderia entender,visualizar e compor o viver,os pensamentos,crenças,tão díspares dos colonizadores e dos negros num romance onde,na história do vizinho Haiti,o real é socado no pilão da racionalidade europeia com as pimentas da fantasia negra daquelas ilhas mágicas. Obra única por um autor único. Abaixo,uma pitada;os negritos são meus:

“...naquele momento,de volta à sua condição humana,o velho teve um momento de lucidez. Viveu,no espaço de tempo de uma batida de coração,os momentos capitais de sua vida...

...sentiu-se velho,velho de séculos incontáveis. Um cansaço cósmico,de planeta que o tempo fizera deserto de pedras,caía sobre seus ombros descarnados por tantos golpes,suores e revoltas. Ti Noel gastara sua herança,e apesar de ter chegado à extrema miséria,deixava a mesma herança recebida.

...e compreendia, agora, que o homem nunca sabe por que sofre e espera. Sofre, espera e trabalha para pessoas que nunca conhecerá e que, por sua vez, sofrerão, esperarão e trabalharão por outros que também não serão felizes, pois o homem deseja uma felicidade muito além da porção que lhe foi outorgada. Mas a grandeza do homem consiste precisamente em querer melhorar a si mesmo, a impor-se Tarefas. No Reino dos Céus não há grandeza a conquistar, pois lá toda hierarquia já está estabelecida, a incógnita solucionada, o viver sem fim, a impossibilidade do sacrifício, do repouso, do deleite. Por isso, esmagado pelos sofrimentos e pelas Tarefas, belo na sua miséria, capaz de amar em meio às calamidades, o homem poderá encontrar sua grandeza, sua máxima medida, no Reino deste Mundo.