domingo, 17 de abril de 2011

Uma história inacreditável – e desumana- sobre o efeito do veneno da cascavel

Retirado do livro do Dr Vital Brazil,”La défense contre l'ophidisme”2ª edição francesa,1914,páginas 117 a 121. Um relato impressionante de sofrimento humano acontecido diante de atenta e fria plateia de médicos,aparentemente em meados do sec. XIX. Pela sua importância na história da medicina e singularidade dramática,traduzi o presente texto - na falta da edição em português de 1911 - sem maior rigor científico ou literário,para que meus leitores também o conheçam.  Os mais puristas poderão recorrer ao texto original,em francês,também neste blog. Clique. Os destaques em negrito são meus.

O veneno da cascavel é o mais ativo de todos aqueles que estudamos. É facilmente distinguido de venenos de outras serpentes por uma ação seletiva sobre o sistema nervoso, e sua ação local mais fraca. Para dar uma ideia da interação deste veneno em humanos, não podemos fazer nada melhor do que transcrever as observações magistralmente narradas pelo Dr. Sigaud, em seu excelente livro "Maladies du Brésil", [Paris, 1844] , sobre a louca tentativa de um leproso para se livrar de sua doença, se deixando picar por uma cascavel. Aqui a observação:

Mariano José Machado nascido em Rio Pardo, na Província do Rio Grande do Sul,com 50 anos, foi seis anos atrás atacado pela hanseníase tuberculoide e internado há 4 anos no Hospital de Leprosos do Rio de Janeiro. Em 3 de setembro saiu, armado de coragem heroica, determinado a tentar o experimento da picada da cascavel, apesar dos conselhos sábios e prudentes de médicos diversos, que duvidavam do perigoso método e que sabiam também que o paciente de acordo com sua própria declaração, havia sido tratado de maneira muito irregular e ainda estava longe de ser esgotada a lista de remédios usados contra a hanseníase, incluindo a sudorese pelo Madar,um arbusto indiano que se recomendava para elefantíase. José Mariano Machado desgostoso da existência, incapaz de suportar as sequelas de uma doença horrível foi recomendado ao cirurgião Dr. Santos,que tinha uma cascavel.

Foi em seu consultório que, na presença de uma assistência bastante grande e entre outros,os doutores Maia Costa, A. F. Martins, Tavares, Reis, etc. que o paciente iria provocar a mordida do réptil com a mão, com grande compostura e manter sua presença de espírito. Mariano era um homem de estatura normal e constituição atlética. A hanseníase chegara ao seu segundo estágio e deixara a superfície do corpo insensível ao toque, o tecido cutâneo, denso e grosseiro,coberto com tubérculos baixos e a face com aspecto repugnante; os dedos já havia perdido sua forma e a epiderme destacava facilmente;unhas deformadas e dedos em garra. Mas a doença ainda não havia destruído a força vital ou totalmente esgotado a energia de uma constituição robusta. Debaixo de seu braço já havia algumas pústulas indicativas de complicações da hanseníase. Mariano José Machado, antes do experimento teve que declarar que agiu por sua própria vontade, em um comunicado assinado por ele na presença de assistentes,tomando para si a responsabilidade de seu ato.

Depois introduziu sua mão direita no interior da gaiola e por duas vezes pegou a cascavel. Esta apenas lambeu sua mão sem morder;no entanto,após a apertar com força pelo meio do corpo,ela finalmente morde-lhe o dedo mindinho da mão. A mordida foi dada às 11 horas e 50 minutos na manhã de 04 de setembro, o paciente não sente a picada ou a ação do veneno imediatamente introduzido na ferida,e é avisado que foi picado pelos observadores que o cercam. A mão retirada da gaiola tem a marca,de onde flui o sangue,mas nenhuma dor é relatada e o paciente mantém sua postura, respiração e pulso normais. Cinco minutos depois sentiu uma leve sensação de frio na mão;ao meio-dia, uma leve dor localizada na palma da sua mão e em questão de minutos a mão incha consideravelmente. Em 30 minutos o pulso se torna muito forte. O paciente mantém a mesma tranquilidade moral. Mais 5 minutos,dormência por todo o corpo. À 1:20h,tremor generalizado,sensibilidade ao toque. À 1:36h minutos,perturbação mental, pulsações mais frequentes;dificuldade nos movimentos dos lábios, tendência para dormir, a garganta aperta, mais dor na mão, estendendo-se para o braço;a tumefação aumenta na mão. À 1:40h aumento da dor,na língua e garganta, estendendo-se até ao estômago, aumento do inchaço da mão,sensação de frio nos pés. Às 2:05hs,dificuldade para falar, 20 minutos depois,dificuldade para engolir e suor no peito. Às 2 horas e 50 minutos desânimo, prostração dos braços, fluxo de sangue pelo nariz,agitação,96 de pulso. Suor generalizado às 3:04h,gemidos involuntários poucos minutos depois, pulso à 100; grande dor nos braços, rosto injetado, contínuo sangramento pelo nariz. Às 3:35h.,o paciente engole a água sem dificuldade,muda sua camisa molhada:uma vermelhidão ocorre em todo o corpo e começa uma hemorragia nas pústulas situadas debaixo do braço. A cor da pele fica mais escura, principalmente no membro picado;dor cruciante nos membros superiores, não o deixando relaxar;aperto na garganta, dificuldade para respirar. Às 5:30h pulso 104,torpor, urina, saliva abundante, espessa,de cor escura, prostração muscular, gemidos por causa da dor,respiração tranquila,pulso cheio,maior o inchaço da mão mordida. Em sete horas,sonolência, geme,o paciente acorda,queixando-se de grave dor no peito e na garganta que parece estar fechada,emissão abundante de urina,deglutição da saliva mais difícil,abundante sangramento pelo nariz. É oferecida uma bebida feita de água com açúcar,mas ele não pode engolir. Às 8 horas cessa a sudação,continua a agitação e emissão abundante de urina. À 9:15h,sono profundo. Às10 horas oferecem-lhe uma infusão de guaco uma dose de 3 colheres de água com açúcar,que o paciente recusa,só bebe a infusão. O sangramento do nariz cessa,pulso 108, regular. Notamos que tubérculos estão deprimidas em ambos os braços e o rosto com aspecto eritematoso. Às 10:20h micção clara, quase duas onças, alívio, dormitou por uns momentos, diminuição da dor torácica,que se desloca para braços e pernas. Pulso 108,regular,sede;ele consegue beber com facilidade. Às 11 horas toma 4 colheradas de uma forte infusão de guaco, quatro horas depois urina um líquido colorido e continua a beber da água sem dificuldade; O pulso 119;o braço e mão picada muito inchados,com dor excessiva. Dorme à meia-noite, agitado, micção novamente. Às 00:30h desperta apresentando ansiedade e crise dolorosa,pede para se confessar e recusa os remédios. Pouco depois,forte calor nas pernas e o paciente aceita tomar a infusão duas vezes com um intervalo de meia hora: continuam os mesmos sintomas. Às 2:00h toma, sentado em sua cama, três colheres de sopa de água que engole com dificuldade,e sempre que toma água pura aumenta a dificuldade de engolir e a dor. Às 2:30h, ele toma o remédio;repouso. Pulso:110. Às 3:30h, urina;descansa. Nova dose de remédio administrada às 3:45h;110 de pulso. Movimentos involuntários no polegar da mão direita e perna esquerda. Às 4 horas,emissão de urina;ele toma às 4:45h uma colher de remédio e repousa;pulso:100 duas emissões de urina às 5 e 6 horas. Respiração desobstruída. Às 9:45h,grande prostração,contrações musculares, redução de inchaço das extremidades e da coloração avermelhada da pele;deglutição muito difícil, respiração comprometida. Aplicam-lhe vesicatórios e o fazem tomar mais infusão de guaco. Às10:50h, diminuição dos movimentos convulsivos,é administrado um enema. Às 10: 55 h as convulsões cessam. Às11:00 o estado permanece. É dada uma colher de óleo que ele engole com muita dificuldade.

Morre às 11:30h

Une histoire incroyable à propos de le poison du “serpent à sonnettes”

(Extrait du livre "Contre La défense de l'ophidisme," Dr Vital Brazil, deuxième édition, 1914, pages 117-121 )
Pour donner une idée de ce venin sur l'homme, nous ne pourrons rien faire de mieux que de transcrire l'observation magistrale relatée par le Dr. Sigaud, dans son excellent livre 'Maladies du Brésil',Paris,1844, à propôs de la folie tentative d'un lépreux pour se délivrer de sa maladie, en se faisant mordre par un serpent à sonnettes. Voici l'observation:
Mariano Joseph Machado né à Rio Pardo, province de Rio Grande do Sul, âgé de 50 ans, était il y a 6 ans aífécté de lêpre tuberculose, (lêpre léontine d'Aliberti) il était depuis 4 ans, à l'hôpital des lépreux de Rio de Janeiro. Ce fut le 3 setembre qu'il en sortit, arme d'un courage héroíque, bien résolu à tenter l'épreuve de la morsure du serpent à sonnettes, malgré les sages et prudents conseils de différents médicins, qui attendaient un succês plus que douteux de dangereux moyen, et qui savaient d'ailleurs, que le malade, selon sa propre déclaration, n'avait suivi que três irrégulièrement les différents modes de traitement qui lui avaient été prescrits, et qu'il était loin d'avoir épuisé la liste des remedes préconisés contre la lêpre, parmi lesquels,le sudorifique (asclepias gigantesca) si recommandé dans I'Inde contre l'éphantiasis. Mariano Joseph Machado, dégofité de l'existence, ne pouvant plus supporter les angoisses d'une horrible maladie se dirige a chez le Dr. Santos, chirurgien, rue Valiongo,n. 61,qui possédait un serpent à sonnettes. C'est là, qu'en présence d'une assistance assez nombreuse et dans laquelle se trouvaient MM. Drs. Maia, Costa, A. F. Martins, Tavares, Reis, etc,etc, le malade subit l'épreuve de la morsure présentant sa main au reptile, avec le plus grand sang-froid, et conservant toute sa présence d'esprit. Mariano était un homme de stature ordinaire, d'une constitution athlétique.
La lèpre léontine arrivée à sa seconde périôde avait rendu la surface du corps insensible au toucher; le tissu cutané, dense et rugueux, était couvert de tubercules peu eleves sans altération,et la face était repoussante par la déformation des traits. Les extrémités des doigts avaient dejà perdu leur forme et l'épiderme se détachait facilement; les ongles s'altéraient, et les doigts étaient contractés. La maladie, n'avait pas cependant anéanti la force vitale ni épuisé entièrement l'énergie d'une constitution robuste. Il existait sous les bras quelques pustules de nature dartreuse, qui établissaient une sorte de complication avec la lèpre léontine. Mariano José Machado avant de tenter l'épreuve declara qu'il agissait de sa propre volonté. Dans une déclaration signée par lui, en présence des assistants, il prend l'entière responsabilité de son acte, et c'est après avoir signé cette formelle déclaration, que sa main droite, introduite à 1'intérieur de la cage, attrapa deux fois le serpent. Celui ci fuit tout d'abord, léchant ensuite la main sans la mordre;mais se sentant serré avec force, au milieu du corps, il mord la main du malade entre l'articulation du petit doigt et l'annulaire avec le métacarpe. La morsure est faite à 11 heures 50 minutes du matin du 4 septembre.
Le malade ne sent pas l'impression des dents, ni l'action immédiate du venin introduit dans la blessure, il ne reconnait qu'il est mordu que par l'avis des observateurs qui l'entourent. La main est de suite retirée de la cage; elle est un peu enfiée; il coule du sang de la blessure; il n'y a pas de douleur; le malade conserve son sang-froid; la respiration et le pouls sont normaux. Cinq minutes aprés il ressent une légère sensation de froid dans la main ; à midi, une faible douleur se localise dans la paume de la main, augmentant en quelques minutes; la main se tuméfie considérablement; en 30 minutes, le pouls devient três fort et plus plein: même tranquillité morale. En 5 minutes engourdissement de tout le corps. A 1 heure et 20 minutes, tremblement par tout le corps, sensibilité au toucher. A 1 heure et .36 minutes, perturbation de l'intelligence, pouls plus frequent; difficulté. dans les mouvements des lèvres; tendance au sommeil; la gorge se resserre ; douleur plus intense dans la main, s'étendant à tout le bras; la tumecfaction de la main augmente. A 1 heure et 40 minutes, douleurs dans la langue et dans la gorge, s'étendant jusqu'á l'estomac; augmentation de douleur et de la tuméfaction de la main mordue; sensation de froid aux pieds. A 2 heures et 5 minutes, difficulté de parler; 20 minutes plus tard, difficulté d'avaler: en peu d'anguisse, sueur copieuse sur la poitrine. A 2 heures et 50 minutes, abbattement, prostration des bras, écoulement de sang par íe nez, agitation, pouls à 96. Sueur générale à 3 heures et 4 minutes, gémissement involuntaires; quelques minutes après, pouls à 100; grande douleur dans les bras, face injectée, épistaxis continuel. A 3 heures et 35 m.,le malade avale sans difficuité de l'eau vineuse, change de chemise: une couleur rougeâtre se manifeste sur tout le corps; un écoulement sanguinolent se declare dans une des pustules placées sous le bras. La couleur devient plus foncée, principalement dans le membre pique; douleur atroce dans les membres supérieurs, ne laissant aucun repôs; gorge resserrée, respiration difficile. A 5 heures et demie pouls à 104, torpeur, urine abondante, salive épaisse, de couleur foncée, prostration musculaire, gémissements, à cause des douleurs, respiration tranquille,pouls plein, plus grande tuméfaction de la main mordue. A 7 heures, somnolence, gémissements; le malade se réveille, se plaignant de fortes douletirs dans la poitrine et la gorge qui lui semble être fermée, émission copieuse d'urine, déglutition plus difficile, salive abondante, continuation de l'épistaxis. On lui fait prendre une boisson composée d'eau, de sucre, et d'eau de vie, qu'il ne peut avaler. A' 8 heures, la sueur cesse, agitation, émission copieuse d'urine. A' 9 1/4, sommeil profond. A 10 heurs on lui fait prendre une infusion de guaco à la dose de 3 cuiilères, avec de l'eau sucrce que le malade refuse de boire ; il prend seulement l'infusion.
L'épistaxis cesse; pouls 108, règulier. On remarque que les tubercules sont deprimes, sur les deux bras et sur la face ayant un aspect érysipelateux. A 10 heures et 20 minutes émission d'urine claire, prés de deux onces, soulagement, sommeil durant quelques instants, diminution des douleurs de la poitrine. Celles ci se déplacent,envahissant les jambes et les pieds, qui s'étaient jusq'alors conserves froids, ainsi que la main mordue; pouls 108; règulier, soif; le malade boit, assis, de l'eau avec facilite. A 11 heures il prend 4 cuillerées d'un fort infusion de guaco;4 d'heure après il urine un liquide colore et continue à boire de l'eau sans difficuité; pouls à 119; bras et main piquée três cedemateux, avec une douleur excessive. A minuit, sommeil, excitation, nouvelle émission d'urine. Une demi-heure après, réveil avec anxiété, cris douloreux; le malade demande la confession et refuse les remedes ; plus tard nouvelle émission d'urine, forte chaleur dans les jambes ; le malade se résout à prendre deux fois l'infusion avec un intervalle d'une demi-heure: continuation des mêmes symptômes. A 2 heures, il prend, assis sur son lit, trois cuillerées d'eau qu'il avale avec difficuité, et, toutes les fois qu'il prendre de l'eau puré la difficuité d'avaler augmente, ainsi que la douleur. A 2 heures et demie, il prend le remede: repos: pouls 110. A 3 heures et demie, urine: repos: dose du remede administrée à 3 heures3/4;pouls 110; mouvements involontaires dans le pouce de la main droite et dans la jambe gauche. A 4 heures émission d'urine: on lui administre à 4 heurs 3/4 une cuillerée de remede; repos: pouls 100: deux émissions d'urine de 5 à 6 heurs: respiration dégagée. A 9 heurs3/4 grande prostation, mouvements convulsifs: diminution d'intumescence des extrémites, et de la coloration rouge de la peau: déglutition três difficile: respiration embarrassée: on lui applique des vésicatoires aux mallets et on lui fait prendre de l'infusion de guaco. A 10 heures 50 minutes diminution des mouviments convulsifs: on lui administre un lavement d'eau de vie. A 10 heures 55 m. les convulsions cessent. A 11 heures le mêrne état: on lui donne par la bouche une once d'huile de lezard qu'il avale três difficilement.
Mort à 11 heures et demie."