Emissão, recepção, conhecimento, busca, manuseio da informação. Falo do cérebro humano ou do computador e internet? Falo de todos que em verdade são apenas um sistema, uma base individual (cérebro) e uma extensa rede (net) no espaço, que abrange todo o planeta e o conhecimento de cada habitante conectado mas que atinge por meio dos resultados obtidos todos os terráqueos, sem exceção. Anteriormente todas as ações citadas ocorriam em nossos neurônios e restritos à experiência e cultura acumuladas além da memória genética e instintos herdados. A troca ou aquisição de dados era restrita e a velocidade do manuseio das informações era condicionada ao quociente de inteligência de cada um. Agora, diante de um computador em instantes neurônios eletrônicos de funcionamento similar aos meus trabalham para mim, multiplicam infinitamente meu conhecimento, aceleram meus cálculos, aumentam o alcance de meus olhos.
Ao perguntar-me qual seria a data de nascimento de Bertrand Russell, por exemplo, após inutilmente pensar iria à biblioteca pesquisar livro por livro ou perguntaria a alguém que possuía tais conhecimentos. Ou telefonaria. Ou escreveria uma carta, tudo dependendo de meus conhecimentos, local, recursos. Hoje, no mesmo momento em que o pensamento vem à mente, o cérebro comanda sua extensão eletrônica e lá está: Bertrand Arthur William Russell, 18 de maio de 1872... Tornamo-nos pequenos gênios de memória prodigiosa, de cultura sem limites para o bem ou para o mal: como fazer uma bomba caseira? E instantaneamente transformo-me em um químico com dezenas de opções.
Não há diferença entre um dado proveniente de pesquisa acumulada pessoalmente e um toque no computador, não é uma aquisição falsa ou artificial, o conhecimento é o mesmo, armazenado da mesma maneira, pouco importa se os impulsos elétricos são de origem química produzidos pelo seu corpo ou de origem externa através de cabos. Além do conhecimento de todos, que podem ser úteis, também compartilhamos ignorância, crenças, taras... Tudo o que cérebros humanos contém estão também no grande cérebro artificial chamado de Internet. Podemos pensar junto com multidões ou raciocinar em conjunto com apenas uma pessoa do outro lado do globo que naquele instante teve a mesma dúvida. Podemos emocionarmos e nos enraivecer em instantes e provocar uma briga na rua, um vandalismo, uma revolução, multidões pensando com o mesmo cérebro. Minha mentira pode fazer milhões chorarem, minhas ameaças podem fechar centenas de portas em uma cidadezinha milhares de quilômetros distante. Posso ser o inimigo mas posso trazer à revelia o inimigo para dentro de minha mente, de minha casa. Posso namorar uma chinesa, filosofar com um francês, comprar um paletó na Suíça, roubar a conta de um banco na Alemanha, espiar alguém no México, estragar o computador de um australiano, tudo em segundos, somos hoje um só cérebro que como o nosso pequeno órgão original, pode nos fazer sofrer, amar, viver melhor ou até morrer.
Temos que começar seriamente a se adaptar e gerir esse poder de abraçar o mundo e todo seu conhecimento sem perder as próprias ideias, sem esquecer do resto do corpo, braços e pernas que antes teriam que trabalhar se quiséssemos namorar a chinesa lá do outro lado do planeta ou mesmo filosofar ao entardecer contemplando o pôr do sol. Ou aos poucos nos transformaremos em um pedaço mole de carne pálida cheia de conhecimentos, amigos que jamais foram tocados, experiências acumuladas e nunca vividas... Gênios loucos e solitários que conhecem a fundo um planeta que nunca pisaram, apenas peças de um grande computador trabalhando para um único poder global. E este, o único dado inatingível e desconhecido...
*Pedro Marangoni,64,é autor de A conspiração de Santo Antonio do Desamparo e Angústias de um peixe-voador entre outros.