Transladando um helicóptero de Aracaju para Belém,atravessei o Piauí de sul a norte, horas de terra árida, sem vida. Voando baixo, alienígena num disco voador visitando um planeta seco, contemplei um sepultamento, meia dúzia de gatos pingados ao redor de uma cova no meio da nada, o dia a dia só de presente, amanhã cópia de hoje. Certamente sem certidão de nascimento, sem certidão de óbito, sem cidadania. Cercas de galhos finos retorcidos, algumas cabras. Lembra Somália, Djibuti, Etiópia... Desde a formação da nação brasileira todos os governos tentaram alguma solução ou paliativos para o problema. Outros apenas fingiram tentar. Muitos usam o nordeste como fonte de verbas fáceis de desviar apostando no analfabetismo, na seca cultural tão atroz como a de água que não gera reclamações ou revolta, apenas resignação...
Consegue-se transformar o deserto em área produtiva? O mundo está cheio de lugares e países que servem de exemplo de sucesso. Mas por falta de opção,de mais espaço. O Brasil tem terras da União produtivas para um verdadeiro êxodo,da seca para a fartura. Mas o sertanejo nordestino é um povo com as raízes profundas típicas de plantas que teimam em solo ruim. Não quer sair de lá. Se sai, sonha em voltar. Não podem ser recriminados por isso, é um direito querer viver perto das crianças e dos anciãos, das histórias, das lendas,dos contos de infância mas também do cheiro do ninho, da paisagem, de cada pedrinha familiar, de cada casa, ruína, recanto onde brincava e sonhava.
Não basta remediar o presente, é preciso construir esperança, os sertanejos não são gado para serem mantidos com doação de alimento e dinheiro numa vida vegetativa. Se por um lado a ignorância viceja, por outro não se lhes pode negar a coragem, a força de trabalhador, a vontade de resistir e vencer. Se eles admitem migrar para suas cidades, que se criem escolas práticas, simples mas eficazes onde se misturem a alfabetização e um curso básico de carpintaria, eletricista, pedreiro, costureira, cozinheira, dando assim uma ferramenta de sobrevivência mais racional que a simples enxada que por séculos vem batendo nas pedras. Aos que não querem sair do sertão, que se lhes dê os meios usados por outros países para vencer o deserto mas sobretudo, com decisão política corajosa, firme, uma qualidade de vida melhor através de um radical controle da natalidade sem se importar com as críticas que virão de setores religiosos e cortando na própria carne desavergonhada da tradicional fábrica de eleitores de cabresto. Porque a proliferação desenfreada de seres humanos na miséria por ignorância e abandono das autoridades de saúde pública interessa aos políticos desonestos -desculpem pelo pleonasmo- e também às religiões que milagrosamente conseguem extrair minúsculas gotas de dízimos aqui e ali no deserto famélico para encher suas cisternas de milhões sem retorno terreno.
Nordestino não é gado de cria para políticos. São cidadãos brasileiros, sócios do país com direitos e deveres. Entreguem a eles sua devida cota de educação e infraestrutura e não Vales-Ração...