terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Natal de 1971 na guerra colonial:o LP de Cilinha

Cilinha,minha lembrança natalina,faleceu neste ano de 2011,poucos dias antes de completar 90 anos bem vividos. Os portugueses sabem de quem falo. Explico aos brasileiros: é a Sra. Dra. Cecília Maria de Castro Pereira de Carvalho Supico Pinto,viúva de Luís Supico Pinto,ex ministro de Economia e conselheiro de Salazar. Ela tinha tudo para ser apenas uma “socialite” fútil,sem maiores preocupações,mas sentindo que deveria fazer sua parte como cidadã portuguesa durante a guerra colonial,criou o Movimento Nacional Feminino(MNF) para apoiar os combatentes e suas famílias, que atuou durante os 13 anos de conflito em África.

Lembro-me bem que muitos criticavam e achavam que tudo não passava de demagogia,mas décadas depois,sem o calor dos acontecimentos,podemos ter uma visão mais isenta de seu trabalho. Nada a obrigava de,voluntariamente,embrear-se na selva,muitas vezes em colunas militares enfrentando minas e possíveis emboscadas em Angola,Moçambique e Guiné,de enfrentar desconfortáveis voos em helicópteros de combate e aterrizar em clareiras  perigosas para efetivamente levar aos soldados com sua presença,a sensação de ligação com o mundo em paz,seus lares e famílias. O MNF alcançou mais de 80.000 voluntárias,contou com o apoio governamental e procurava amenizar o duro serviço militar no Ultramar através de pacotes com cigarros,comida,serviço de aerogramas,artigos vários e até gravações para colocar combatentes e famílias a se ouvirem em emocionadas mensagens. Época natalina,recordei-me de um presente do MNF que no Natal de 1971 não foi muito bem aceito -com razão- pois o presente para as tropas na selva foi um...disco de vinil,um LP!




O que fazer com aquilo dentro do mato,pois além de não ter meios para ouvi-lo,não era algo facilmente transportável numa mochila... Vários deles voaram muros dos aquartelamentos afora,mas certamente hoje seus mal humorados donos se arrependem de não tê-los mais. Pude ouvi-lo no Natal de 1973 em Moçambique e me emocionei com a mensagem final do Ministro da Defesa,(no vídeo acima,min 04:05)imerso que eu estava em fazer valer a pena os sacrifícios e como sua fala,na convicção de que nada deixaríamos se perder. Assim não aconteceu por traição na retaguarda,pelos covardes capitães de Abril,homens de pundonor muito aquém da Cilinha ou de outra senhora heroína do MNF,D. Maria Estefânia Anacoreta. Ontem e hoje,ao contrário dos capitães traidores,essas mulheres representam a vontade,a coragem,o desprendimento em sacrificar-se para apoiar a defesa de um trabalho de cinco séculos de colonização e de civilização cristã.
D. Maria Estefânia,na época com quase 50 anos,munida de um pesado gravador percorreu milhares de quilômetros de selva durante sete meses em Angola,em veículos militares e aviões,levando aos soldados mensagens de voz de seus familiares e colhendo outras em resposta. Documentos de valor extraordinário para quem combatia longe de casa e que amenizava o sofrimento de mães,esposas,filhos,namoradas. Dona Maria Estefânia foi a Internet da época,o Skype,o celular,num trabalho heroico do qual,felizmente,pode sentir o reconhecimento pouco antes de sua morte aos 89 anos,em 2008,semanas após a gravação do documentário abaixo. Graças às suas gravações,muitas crianças,agora adultas, puderam ouvir pela primeira vez a voz de seus pais mortos em combate. Os filhos dos Capitães de Abril podem ouvir seus pais ao vivo,mas tenho certeza que tal está longe de ser uma honra...