sábado, 11 de fevereiro de 2012

Erich M.Remarque e seus relatos de guerra:obrigatório para veteranos


Reli “Nada de novo no front” ou "A Oeste nada de novo"para os portugueses. Mais que um fantástico livro de guerra é um manual de psicologia guerreira que apesar das várias interpretações anti belicistas,ao contrário de provocar desagradáveis lembranças aos veteranos,reaviva o insuperável sentimento de camaradagem construído debaixo de fogo,impossível de se obter em tempos de paz entre os imperfeitos homens com seu egoísmo e vaidades. Muitos colegas se dividem entre a cautela de nunca demonstrar saudades dos anos de guerra,premidos pelos fracos tempos atuais do politicamente correto e as lembranças boas,fortes,viris que secretamente os deixam orgulhosos. Não há nada a esconder,foram grandes momentos que nos deram alicerces únicos. Como poucos gostam de se dedicar à leitura,mesmo de um livro tão conhecido e recomendado,selecionei alguns trechos que certamente se mostrarão familiares aos veteranos de guerra e os atrairão para essa obra prima da literatura mundial. Lamentarão as tragédias pessoais,as perdas,mas se recordarão de seus momentos puros de homens despidos da falsa casca,da máscara social,mesmo porque os anos passarão e,por fim,pereceremos todos.

Instrução básica:
Tornamo-nos desconfiados,impiedosos,vingativos e brutais – e isso foi bom,porque eram precisamente estas as qualidades que nos faltavam. Se nos tivessem mandado para as trincheiras sem esse período de formação,a maioria,sem dúvida,teria enlouquecido. Mas,assim,estávamos preparados para o que nos esperava.
...O mais importante,porém,foi que despertou em nós uma solidariedade firme e prática,que na linha de frente se transformou na melhor coisa que a guerra produziu:a camaradagem.

O Front:
...o front é um redemoinho sinistro. Quando se está em águas calmas,ainda longe de seu centro,já se lhe sente a força de aspiração que nos arrasta,lenta e implacavelmente,sem encontrar muita resistência.
O front não é nenhum quartel.

E principalmente o homem,o combatente:
ao primeiro ribombar das granadas,recua no passado milhares de anos. É o instinto animal,que desperta em nós,que nos guia e nos protege.
Andamos sem pensar em nada...de repente estamos deitados em uma depressão na terra,enquanto acima de nós voam os estilhaços...mas a gente não se lembra de ter ouvido as granadas chegarem,nem de ter pensado em se deitar. Se confiássemos no pensamento,já seríamos um monte de carne espalhada por todos os lados.

Dois anos de tiros e granadas...não é algo que se pode despir,como uma roupa.

É este acaso que nos torna indiferentes.
...Cada soldado fica vivo apenas por mil acasos

Tornamo-nos animais selvagens. Não combatemos,nos defendemos da destruição. Sabemos que não lançamos as granadas contra homens,mas contra a Morte,que nos persegue,com mãos e capacetes.
Uma raiva louca nos anima,não esperamos mais indefesos,impotentes,no cadafalso,mas podemos destruir e matar,para nos salvarmos...
...ficamos estendidos,ofegantes,descansando,sem falar. Nossa exaustão é tanta que,apesar da terrível fome,nem pensamos nos enlatados. Só pouco a pouco vamos nos transformando novamente em algo parecido com seres humanos.

Só uma coisa nos conforta:ver que há outros mais fracos,mais abatidos,mais desamparados,que nos olham com os olhos esbugalhados,como se fôssemos deuses que muitas vezes conseguiram escapar da morte.

Exatamente como nos transformamos em animais quando vamos para o front,porque é a única maneira de nos salvarmos,nos tornamos humoristas e vagabundos quando estamos descansando.

Em parte,já estamos acostumados:a guerra é uma maneira de morrer,como o câncer e a tuberculose,como a gripe e a disenteria.
Somos soldados,e só depois,de uma maneira estranha,quase envergonhada,é que somos indivíduos.

Há entre nós uma grande fraternidade,algo do companheirismo das canções do povo,um pouco do sentimento de solidariedade dos prisioneiros e da desesperada lealdade que existe entre os condenados à morte
...Se quiséssemos atribuir um valor a isso,numa classificação,teríamos que dizer que é ao mesmo tempo heroico e banal. Mas quem perde tempo com coisas desse tipo?
A vida,aqui nas fronteiras da morte,assume um aspecto de grande simplicidade,se limita ao essencial,ao que é estritamente necessário;todo o resto é envolvido por um sono profundo.
Despertou em nós o sentimento de companheirismo,para que pudéssemos escapar ao espectro da solidão;emprestou-nos a indiferença dos selvagens,a fim de que,apesar de tudo,sentíssemos a cada momento o elemento positivo,e o armazenássemos contra o ataque do Nada.

Ressuscitarão os dias,as semanas,os anos de trincheira,e nossos companheiros mortos se levantarão para marchar conosco;nossas mentes estarão lúcidas,teremos um objetivo,e assim marcharemos,com os companheiros mortos ao nosso lado,os anos de front como retaguarda. Contra quem? Contra quem marcharemos?
E as pessoas não nos compreenderão
Seremos inúteis até para nós mesmos. Envelheceremos,alguns se adaptarão,outros simplesmente se resignarão e a maioria ficará desorientada;os anos passarão e,por fim,pereceremos todos.

Levanto-me.
Estou muito tranquilo. Que venham os meses e os anos:não conseguirão tirar mais nada de mim,não podem me tirar mais nada. Estou tão só e sem esperança que posso enfrentá-los sem medo. A vida,que me arrastou por todos estes anos,eu ainda a tenho nas mãos e nos olhos. Se a venci,não sei. Mas enquanto existir dentro de mim – queira ou não esta força que em mim reside e que se chama Eu – ela procurará seu próprio caminho.

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