quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Um continho nada infantil



Era uma vez três pintinhos chamados Pedro,Pedrão e Pedrinho.
Todos os três de uma só ninhada,gêmeos diria.
Mas um não se parecia com o outro,o que,creio eu,influenciou na escolha dos nomes. Ora vejamos:nascido de parto normal,Pedro demonstrava a tranquilidade de quem quebrou a casca do ovo como manda o regulamento do instinto animal;já Pedrão,que por falta talvez de cálcio na ração materna,que diga-se de passagem custam cada vez mais caro e são cada vez mais fracas,nascera um dia antes,prematuro mas nem tanto,o que lhe deixara com a sensação de ser mais forte. Afinal quebrara antes a casca,coisa que os irmãos pintos não conseguiram. Em verdade o que ocorrera era que ela era fina demais...
Mas o mundo é feito de ilusões,auto fabricadas ou não...
E falta o Pedrinho.
Na minha leiga e humilde opinião,o cálcio que pertenceria por óbvio direito ao ovo do Pedrão,desviara por obra do destino para o invólucro do Pedrinho. Resultado:casca grossa demais,colocou entraves para o fiel cumprimento do regulamento e traumatizou Pedrinho,que de lá só saiu com ajuda do Pedrão,que não quis deixar de dar sua bicada quando,dois dias após o nascimento de Pedro,o normal,nada de novo acontecia com Pedrinho.
Surgido desta cesárea fraternal,claustrófobo e complexado,Pedrinho se sentia um fraco. Afinal Pedrão se gabava que fora fácil partir-lhe a casca. O que era mentira do malandro,doía-lhe ainda o bico.
Mas machão é machão,tinha que manter a farsa.
E assim se prepararam para o circo da vida...
Fisicamente iguais,a prematuridade de um,a normalidade do outro e a cesárea do último,tornara-os três cidadãos diferentes:
Pedro,o normal;
Pedrão,o forte;
Pedrinho,o fraco.
Fora problema de casca e estas diferenças casca eram.
Pedrão era o que mais sofria. Sabia que no fundo seu medo era imenso,mas tinha que se sobressair,tinha que vencer,era o mais forte e os outros esperavam isto dele. E fazendo das tripas coração,lançava-se de cabeça em lugares de onde Pedro prudentemente se mantinha afastado e Pedrinho fugia esbaforido.
Este último se julgava um trapo,uma galinha. Pois se Pedrão fazia,matutava,era porque não tinha medo e então ele naturalmente era um covarde...
Pedro por sua vez não pensava em medo e sim em utilidade ou não. Porque disputar o milho com os galos se eles nunca comem tudo e sobrará o suficiente para um simples pintinho?
E nesta primeira etapa,o forte comia primeiro à custa de pancadaria;o normal comia a seguir,tranquilo e o fraco só muito tempo depois se atrevia a aparecer,temendo represálias e abusos,bicando o que restava,quase nada.
As diferenças casca eram,disse eu.
Três galináceos cidadãos,irmãos e iguais,com a mesma potencialidade mas que abrigaram em suas mentes a partir do nascimento,ideias diferentes de si mesmos...
Resultado:já na puberdade,Pedrão já se distanciara em físico dos irmãos,tornara-se realmente forte de tanto correr,saltar e lutar,cheio de cicatrizes,era matreiro, mordaz e contestador. Tinha uma úlcera no estomago de tantos maus bocados passados mas era o primeiro a comer,incontestado,temido por sua experiência de combate e admirado pelas frangas,até mesmo por algumas respeitáveis galinhas com quem tivera arrojados romances para se auto afirmar.
Tudo isto provocava náuseas em Pedro,tornado intelectual,bem tratado,pois em sua sabedoria engordara,comendo sempre tranquilo. E balançava a cabeça,pensando que a vida violenta do irmão logo teria um fim trágico. Por que não viver como ele,correto e respeitador das normas impostas pela sociedade? E lembrou-se do pobre Pedrinho,que mal completara sua infância,fugindo de tudo e de todos,pequeno e magro,o que lhe determinara o caminho do cadafalso na tétrica cozinha,terminando seus dias como galeto no espeto. Afinal não tinha futuro mesmo,pensaram todos.
É,ninguém chora por um fraco...
E enquanto pensava que o caminho da paz e tranquilidade social,do não reagir era o único a seguir,o gordo Pedro viu-se de repente ser arrancado do chão,o mundo rodopiou à sua volta e as últimas palavras que ouviu foram:ótimo para uma canja!
Restou o Pedrão,defensor implacável de seu espaço,galo eleito por maioria absoluta graças ao terror que inspirava nas novas gerações de frangotes e à abertura política no galinheiro que permitiu às galinhas votarem...
E com suas cicatrizes e úlceras no estômago viveu até a velhice,respeitado e dando conselhos aos mais novos,seus filhos,netos,bisnetos e demais súditos para que não se transformassem em um Pedro,o normal,que passou a vida segundo os padrões que lhe foram impostos e no último instante descobriu que apenas servira aos interesses de terceiros...