(sobre um mineral arrogante...)
No absurdo da obviedade,onde óbvio é sinônimo de dogma,aceitamos sem mais pensar a divisão hierárquica entre seres vivos,inanimados,animais,minerais, vegetais... E os vivos,em racionais e irracionais baseados em pura especulação. Não temos nenhuma diferença dos minerais quando se trata de viver ou morrer. Vida,pelo conceito que a define, só pode existir se houver morte,esta é que especifica a outra,algo com final. Mas a morte dos seres vivos é apenas uma transformação igual à de qualquer mineral no decorrer do tempo de sua vida também. Uma transformação físico-química que torna a pedra areia,a água em vapor,que oxida o ferro,que nos torna uma massa de minerais dissolvidos no solo,dando origem à outras composições. Os ditos seres brutos como os minerais,têm uma vida superior,mais uniforme,menos vulnerável que nós humanoides,simples estágio efêmero,aleatório,que não consegue se manter nesta fase senão por uma parcela ínfima de tempo,retornando ao estágio mineral.
Somos um incidente num mundo uniforme. Acreditamos que nosso desgovernado cérebro é um complemento que nos distingue em superioridade,quando em verdade nos condena a constante angústia de nos situarmos no Universo,em meio à outras formas já estabilizadas e tranquilas. Necessitamos compreender para fazer,mesmo que seja para tomar um gole d'água:temos que escolher um receptáculo,considerar nossa sede para dosar o conteúdo,realizar cálculos e extrapolações inúteis acerca de fatos que provavelmente não acontecerão,como se o líquido não vai escorrer pela boca,cair na camisa e se cair como faremos para secá-la,se naturalmente,se com o ferro de passar ou se trocaremos de traje,e se trocarmos qual será e por aí vamos,apenas devido a um copo de água. Trabalho inútil,realizado por um complemento mal organizado,o cérebro humano. O cachorro tem sede,simplesmente bebe a água e se satisfaz,sem mais cálculos supérfluos. Quem é superior?
A mistura que nos forma têm como componentes os elementos presentes em qualquer dos outros seres, viventes ou não,gases,líquidos, sólidos,pastosos,pensantes ou não. A matéria por nós chamada bruta é uniforme,constante,duradoura,sofrendo apenas mínimas transformações superficiais que dão origem aos seres viventes,que não conseguem manter uma uniformidade constante nem possuem a durabilidade de seu material de origem. Através de fenômenos também presentes em manifestações brutas,como a eletricidade,os animais produzem formas de energia encadeadas,chamadas de pensamento,que torna a sobrevivência penosa,por contrariar acontecimentos naturais simples como a complementação ou desagregação material. Uma rocha de quartzo simplesmente se transforma em areia,continuando sua presença no Universo;um homem,ao começar se desfazer, cria,através de seu cérebro,uma cadeia de reações contrárias,tentando deter o elementar caminho da natureza. Decidido ao domínio de tudo e todos,considera que somente ele possui a chamada inteligência superior,uma série de fenômenos físico-químicos que conduzem a atos inúteis, ignorando que o restante dos animais também a possuem de forma mais refinada,mais coerente,precisa. Um cavalo desce por uma ribanceira realizando cálculos exatos a cada instante ou despencaria;um homem,racional,como no caso citado anteriormente ,do copo d'água,realizada uma sequência maior,menos precisa e repleta de cálculos inúteis.
Não podemos penetrar no cérebro alheio,nada confirma que seja totalmente igual ao nosso,uniformes no sentir e captar... O seu verde pode não ser igual ao meu. Pode até ser completamente diferente,tipo quadradinhos cor laranja,ou melhor se expressando,quadradinhos cor laranja no receber e interpretar do MEU cérebro. No seu,simplesmente é o verde. Não podemos penetrar no cérebro alheio em termos de visualização processada e o mundo pode - e é - completamente diferente para cada animal,provavelmente não só entre as Espécies mas também entre os espécimes...O meu triângulo pode ser redondo para você. Explicando de uma maneira simples,nota-se que geralmente os pais não conseguem enxergar feiura de seus rebentos,ou seja,o que é feio para um,pode não ser para outro,pois a visão não é um sentido soberano e assim como a dor,o tato,etc,nosso mundo é o que um computador-o cérebro-interpreta e nos diz. Um computador falho,variável,intermitente e diferenciado até mesmo entre os humanos,dados como os que melhor interpretam o mundo a sua volta. E o mundo existe? E se você for o único ser real,sendo o restante produto de seu cérebro louco? Seria você o Deus ou um deus colhido em seu próprio turbilhão de emissões mentais,sozinho no Universo,mergulhado no nada? Se dúvidas temos ao visualizar uma cena insólita,muitas das vezes não aceitando o que os olhos nos mostram,dúvidas também podemos ter em relação a dor,por exemplo e não aceitá-la,pois tudo que sentimos ou percebemos nada mais é que uma transmissão ao cérebro,que por ele é processada. Tal qual um computador,podemos também programar nossa mente para trabalhar,aceitar ou excluir eventos não desejados. E eventos,a vida,o planeta Terra realmente existem? Este texto existe? Você,leitor,existe? Prove...
Você pode ser o único indivíduo do Universo,um Deus louco dominado pelos seus pensamentos desordenados...Tudo que o cerca pode ser produto de seu cérebro borbulhante. Eu não escrevo,isto não é um texto,nós somos frutos de você. Não? Prove...
Olhe ao redor. São as coisas,pessoas,móveis,imóveis,mas são outras, impenetráveis,estranhas,isoladas de seu corpo por mais próximas que estejam. Pegue uma folha de um suposto livro,entre o indicador e o polegar...esfregue os dedos nela...feche os olhos...está sentindo? Mentira,é o seu cérebro que está lhe ordenando que acredite,verifique com cuidado:em verdade,mesmo com os olhos fechados você está visualizando o material,formato,cor,está usando dados do computador cerebral para acreditar. Em sua cabeça de Deus louco,em sua suposta consciência,incontáveis recipientes de dados se misturam,num quadro psicodélico,surrealista,nem um pouco diferente dos sonhos e pesadelos. Um caleidoscópio fantástico de informações solto no nada,solidão total,rodando em torno de um tortuoso eixo,alternando realidade falsa e sonhos concretos. Você pode existir mas é indiferente existir ou não,sua presença torna-se irreal porque só por si percebida;auto devorando-se nada sobrará para perceber sua ausência,comprovando-se sua anterior inexistência... E os outros? Que outros,criatura? Nós somos você,projeções animadas mas impalpáveis de sua loucura. Sentimento de loucura? Meros conceitos,se não há parâmetros,um ser único não pode ser louco ou normal,seria o normal ser louco...Nos pode sentir? Sua mão sente ou seu cérebro diz que sentiu? E porque tudo isso agora? Porque nós/você/universo podemos ser apenas uma ideia em circuito inútil,que corre atrás de si mesma. E se você não existir,habitando apenas no pensamento de alguém,daí os imprevistos,as surpresas,os fatos inexplicáveis?
Este texto em suas supostas mãos existe ou é uma distração da mente,sendo escrito,fabricado à medida que a pretensa leitura avança? Faça isso:largue o livro ou o computador,vá até a sala vizinha e lá fique parado,estático,por um minuto. Uma vez na sala vizinha,a leitura,o texto já se tornaram passado,impalpáveis e nesta sala será impossível provar que realmente estava lendo ou que a sala onde estava existiu. Ao voltar ao local da leitura,sentar-se e reiniciar a leitura,prove a você mesmo que saiu por instantes e ficou estático em outra sala...Não terá sido apenas um vaguear da mente enquanto lia,repousando o livro no colo num leve cochilo? Relembre o seu passado. Totalmente impalpável...A sala onde esteve a pouco continua lá,estática,vazia,silenciosa e sem você,ou seja,lá sua existência não é comprovada. Ou invertendo-se o raciocínio,existirá a sala apenas quando lá estiver? Mas posso colocar lá uma câmera de televisão e daqui visualizar o local... Interpretação apenas,de um monitor,que poderia estar passando um filme de ficção,por exemplo,tal qual o cérebro. Por quê ruínas,artefatos,escritos,provam a existência de uma civilização passada? E se as ruínas,artefatos,escritos existirem apenas como exatamente o que são,ou seja o caco de cerâmica não é um vaso e sim um caco de cerâmica que nasceu caco de cerâmica,ou a ruína que sempre foi ruína...toda existência,trabalho,filosofia,crescimento é inútil porque é imediatamente engolfado pelo tempo que acompanha qualquer presença. Existindo ou não,fugazes ou imortais,humanos ou deuses,diamante ou carvão,nada pode ser superior ao Nada,que não requer esfôrço,premente utilidade ou valor,busca, conhecimento,espaço,manutenção...
O Nada é a perfeição,limpo,sem defeitos,estático,sem tempo. Até mesmo"Deus",invenção humana que pretendia ser o modelo da perfeição,caso existisse,teria que ser,estar de um modo ou de outro e portanto inferior ao Nada que simplesmente não é,não precisa ser,não precisa estar. Esta pequena mancha de bolor surgida fora do Nada a que denominamos Universo,é um amontoado de inutilidades surgidas ao acaso e que atingem o auge de impacto nos chamados animais racionais que carregam além da inutilidade da existência,o incrível fardo da mente,que os faz ter noção de si mesmo e do espaço à sua volta... Este conjunto químico,instável,de curta duração e exigente manutenção,passa felizmente por uma transformação chamada morte,onde os diversos elementos se desagregam novamente,perdendo a capacidade de atividade mental,mas continuando a formar novas agrupações,quer animal,quer mineral,numa existência mais suportável porém igualmente inútil. A terra gordurosa que agora se dissolve sob o ataúde é superior ao conjunto químico pensante que ali foi colocado após a transformação chamada morte,tal qual a areia está um passo à frente do bloco de quartzo,rumo ao quase Nada.