segunda-feira, 20 de junho de 2011

Helicópteros:empresários inteligentes têm pilotos experientes

Os graves fatores envolvidos no acidente com um helicóptero nesta última sexta,na região baiana de Trancoso não são incomuns. Empresários que são proprietários de aeronaves voam sem a experiência necessária,sem habilitação ou com ela vencida,fazendo planos de voo em nome de outros pilotos,realizam voos locais sem planejamento algum e muitas vezes retardam a manutenção da aeronave,simplesmente puxando um circuit breaker (disjuntor)para que as horas voadas não sejam computadas e a revisão,considerada cara,não chegue nunca. Tratam aeronaves como se um carro fosse. Felizmente existem as grandes revisões por tempo,anuais,das quais não se pode fugir,caso os voos sejam feitos para locais controlados. Mas com helicópteros podem ser realizados pousos em pontos ocasionais sem qualquer controle. Na contramão da lógica,muitos empresários pagam mal seus pilotos,fornecem alojamentos não compatíveis,não respeitam carga horária e forçam para que se realizem voos em condições marginais,esquecendo que sua vida também está a bordo,sendo conduzido muitas vezes por um profissional cansado,estressado,numa máquina com revisões importantes por fazer ou por um piloto inexperiente,mas que aceita salários menores . A tal da economia burra,em salários e manutenção,com uma máquina de milhões de dólares...

Fui piloto por 34 anos,cerca de 20 deles em helicópteros. Desses 20 anos,metade foi como piloto de executivos,homens de sucesso,milionários. Mas depois de tantos sobrevoos não visualizei vida inteligente no trato de aeronaves e tripulantes. Tratam seus helicópteros e os pilotos como um veículo qualquer,que em caso de problemas é só parar no acostamento ou se o tempo está totalmente fechado,é só ir devagarzinho,com o “farol de neblina”ligado...

Outros mais ousados,depois de algumas horas de voo já se sentem capazes de dar conta do recado e dispensam pilotos experientes. Sem dúvida é muito fácil,em condições normais,pousar e decolar com esta máquina formidável. Quando instrutor,em cerca de seis voos conseguia,com muita gritaria e suor fazer com que o aluno pousasse e decolasse sem que eu tocasse nos comandos. Mas decolar,voar e pousar em condições ideais não é ser piloto. Adicione mau tempo,ventos,falta de visibilidade,áreas de pouso com obstáculos ou restritas,peso e balanceamento da aeronave, planejamento deficiente, manobras bruscas, etc,etc e teremos o desastre. O avião avisa,plana,consegue sair sozinho de atitudes desastrosas e perigosas,mas com o helicóptero é geralmente de súbito,sem aviso,catastroficamente respondendo quase sempre,à falha humana. Helicópteros e suas turbinas são seguros se com manutenção eficiente e numa improvável falha o piloto,através da auto rotação - manobra que aproveita a energia ainda existente nas pás do rotor - consegue chegar ao solo e pousar com velocidade zero,sem maiores problemas.


São frequentes acidentes no voo executivo,teoricamente mais simples. Mas são raros nos táxi aéreos que trabalham por exemplo com a exploração de petróleo na Amazônia,usando pilotos experientes que muitas vezes fazem até 100 pousos diários nas DTM –desmontagem,transporte e montagem- das sondas petrolíferas e seus acampamentos, transportando até tratores em carga externa, numa constante operação perigosa. Chegam a voar até 90 horas em 15 dias na selva enquanto que a média executiva nas grandes cidades é por volta de 20 horas mensais. O diferencial é a pressão pouco inteligente dos patrões que não conseguem entender a complexidade que envolve o voo e que seu piloto não é um motorista particular a quem ele pode dar ordens e intervir no desempenho de seu trabalho. E nem substituí-lo,num excesso de confiança,achando que vai dar conta da máquina.

Excesso de confiança também atinge velhos pilotos e permitiu que eu,com milhares de horas de voo enfiasse o focinho em um morro,deixando a aeronave nas mãos de um piloto automático mal engajado enquanto cumpria distraidamente funções burocráticas que deveriam ser de um copiloto num voo sem visibilidade. Se o meu excesso de confiança causou o acidente,a experiência fez com que saísse com vida de uma situação mortal,voando entre árvores abaixo das copas. Aviação não perdoa falhas e aeronaves não são brinquedos para empresários audazes mas mortais. Como aconselhado por um antigo provérbio português que diz:sapateiro,não vá além das botas...