Ao escrever sobre a pesquisa realizada pela Ipsos acerca da crença em um ser superior, usei a frase que dá título a esse texto. E ela permaneceu em minha mente durante todo o dia, porque exprimia sozinha, toda uma desgraça absoluta, me passava uma visão forte, colorida, latino americana de crença cega e inútil, levada pelo desespero da pobreza,da dor, do esquecimento, de abandono pelo poder público...
O andor do desespero é a Kombi velha,sem bancos atrás, com uma grávida agachada,segura pelo marido a caminho de algum hospital sujo,lotado e mal equipado... É a camionete 1971 sem placas, com carroceria de madeira e algumas tábuas servindo de bancos, na estrada de terra da periferia, levando crianças – também aos solavancos – para a escola sem carteiras, quente, com a professorinha cansada e assustada em sua epopeia diária para lá chegar... São trens de subúrbio sacolejando de madrugada, primeira etapa de mais duas ou três em coletivos, espremidos rumo ao trabalho esgotante e mal remunerado... É o ônibus da romaria com pneus carecas e poltronas remendadas com arame e que vai tombar na primeira curva, quando forem, apesar dos pesares, louvar o Deus cristão cujo peso durante todo o tempo em sua desgraça e luta pela sobrevivência, levam às costas, aos solavancos que o caminho provoca, no andor do desespero...
Deus ou deuses, cristão ou não, foram criados pelo próprio homem para servir de refúgio às suas incertezas, um ancoradouro virtual, impalpável, mas onipresente como último lance nesta travessia forçada em mar revolto, escuro, ignoto que é a vida, resultante de uma ligação aleatória de moléculas que nos dá uma inútil, confusa e dolorosa consciência transitória.
O Deus virtual dito onipotente e onipresente sobrepõe-se, aos olhos da massa, ao poder público, que disfarça e olha para outro lado quando o andor do desespero, aos solavancos passa; que cobrem d'Ele as desgraças...
Os Reis e Sacerdotes de outrora hoje denominam-se políticos e clero, cobertos pelas próprias bençãos divinas e que delas muito bem aproveitam. E o povo continua passando reto, direto por eles, em romaria, quando deveriam não pedir nem orar, mas exigir dos verdadeiros deuses responsáveis pela tragédia do dia a dia e que detém poder e têm o dever de serem onipresentes, lançando aos náufragos que nadam na direção do Nada, a boia da dignidade e qualidade de vida, pagas antecipadamente pelos impostos, eufemismo usado para designar o extorsivo aluguel cobrado para morarmos em nossa própria casa. Deus, instalado nas mentes, não precisa ser carregado; olhem para cima com olhos despidos de crença e descobrirão o quê realmente pesa neste andor carregado, quem nele se aboleta confortavelmente. Lancem-os ao solo e usem os paus do andor -e não orações- para cobrar os serviços pagos e não entregues.