terça-feira, 15 de novembro de 2011

A mídia,as religiões e o Princípio de Crueldade de Clément Rosset

Assusta verificar que o excesso de informações de nosso tempo,após um pique útil de conhecimentos levou o homem -despreparado para tal- num mergulho intelectual e social, numa volta à idade média com suas bruxarias e temores. Há um século nossas casas não tinham rádio, TV, internet, telefone, os livros estavam ao alcance de poucos, resultando que em cada família havia uma filosofia simples de vida,sem maiores comparações e anseios. Vivia-se,aproveitava-se o que tinha e em sua falta,buscava-se consegui-lo de modo prático. Hoje a comparação e o questionamento dos porquês é imediata, ao clique de uma tecla ou botão de controle remoto,colocando dentro das salas antes herméticas, toda espécie de contestação, dúvidas e pretensas soluções. O que ontem era bom ou pelo menos sofrível, hoje passa a ser insuportável, o que era falta passa a ser maldição, o que acabou naturalmente passa a ser expoliação. A função de pensar,que era do chefe de família passou a ser de milhares de estranhos, que ao destilar suas próprias insatisfações, distribuem insanidade, cutucam os egos, semeiam desespero.
 
Pelas madrugadas e até em horários mais ou menos “nobres”a diversidade de cultos religiosos exóticos causa perplexidade: esse é o brasileiro do século XXI? Crenças, rituais, as ameaças de deuses e demônios, curas e maldições, risíveis, patéticas, dramáticas em sua ignorância, de uma massa de milhões que buscam antes que uma explicação que nunca entenderiam, alguém que pense por eles e os dirijam. Família,um lar e comida já não bastam na era da exasperação, do excesso de informação em cérebros despreparados para tal.
 
Clément Rosset em seu livro O princípio de crueldade (ed. Rocco,2002) pode ser lido em busca subsídios que, adaptados ao assunto, ajudem a entender o comportamento da nossa manada. Filósofo de nosso tempo sem a intrincada e pretensiosa linguagem acadêmica, ousa ir direto ao assunto ao dissecar a realidade que é única e cruel, não suportada pelo homem, o que o leva a se agarrar a qualquer coisa que sinalize momentânea salvação ou o livre de pensar por si próprio. Vejamos:
 
Toda realidade é cruel e incerta, e o homem suporta mal essa característica do real... e discorre sobre o caráter insignificante e efêmero de toda coisa do mundo, decretando: ...o conhecimento constitui para o homem uma fatalidade e uma espécie de maldição, já reconhecidas no Gênesis(“Não provarás da árvore da ciência...”)... A árvore da ciência em nossos dias foi reproduzida em arbustos cujos galhos com frutos estão ao alcance dos curtos braços da Grande Manada,que os engole sem mastigá-los apropriadamente e não consegue digeri-los, recorrendo após, em desespero, ao lenitivo das religiões, diria eu, no Brasil, ao laxante religioso...
 
Explica: ...o homem é a única criatura conhecida a ter consciência de sua própria morte(como da morte destinada a toda coisa), mas também a única a rejeitar inapelavelmente a ideia da morte(...) incapazes de considerar certo o que quer que seja, mas igualmente incapazes de acomodar-se com essa incerteza, os homens preferem,na maioria das vezes, confiar em um mestre que afirma ser depositário da verdade a qual eles próprios não têm acesso...
 
E prossegue:...a aceitação do real supõe, portanto, ou a pura inconsciência -tal qual a do porco de Epicuro, único à vontade a bordo enquanto a tempestade que se desencadeia angustia a tripulação e passageiros- ou uma consciência que fosse capaz,ao mesmo tempo, de reconhecer o pior e de não ser mortalmente afetada por tal conhecimento de pior. E isso é praticamente impossível ao ser humano, ou se isso conseguir, o caminho do suicídio torna-se tão fácil como tomar um copo d'água ao sentir sede.
 
A grande massa brasileira aparentemente escolheu transformar-se nos porcos de Epicuro, alimentando-se da ração diária do irreal em detrimento do real... E como suportam os rituais cada vez mais esdrúxulos, que atentam contra uma inteligência normal? Clément Rosset responderia:...uma vez que se trata de um conteúdo que não existe,todas as modificações são possíveis...